Se o objetivo é educar todos os alunos para que alcancem seu máximo potencial, as escolas precisam afastar-se da padronização e buscar um modelo centrado no estudante, com um desenho modular que permita a customização
Cada aluno aprende de um modo diferente. A maioria de nós sabe disso intuitivamente. Aprendemos melhor por métodos diferentes, com estilos diferentes e em ritmos diferentes. Lembramos da escola e de nosso esforço para compreender um conceito que um amigo entendeu imediatamente. Contudo, quando um adulto explicava o mesmo conceito de um outro jeito, nós entendíamos. Alguns de nossos colegas destacavam-se em certas matérias, mas tinham de se esforçar em outras.
A pesquisa acadêmica apóia cada vez mais essa idéia, a qual tem borbulhado sob uma variedade de rubricas. Embora haja uma considerável certeza de que as pessoas aprendem de maneiras distintas, ainda existe uma considerável incerteza sobre quais diferenças são essas. Alguns estudos sugerem que as pessoas têm inteligências múltiplas, enquanto outros alegam que elas têm aptidões diferentes.
Para ter uma idéia dessas diferenças, considere uma das teorias mais conhecidas sobre como cada pessoa aprende. A pesquisa de Howard Gardner, professor da Universidade de Harvard, sugere que cada um de nós tem múltiplas inteligências. Segundo Gardner, existem oito inteligências diferentes; a maioria das pessoas destaca-se em duas ou três e é mais fraca nas outras. Por exemplo, algumas pessoas têm inteligências lingüística e lógico-matemática fortes, ao passo que outras são fracas nessas áreas, mas são fortes nas inteligências cinestésico-corporal, musical e intrapessoal. As outras três inteligências, na concepção de Gardner, são a espacial, a interpessoal e a naturalista.
Como essas inteligências se relacionam com o ensino e a aprendizagem? Quando uma abordagem educacional está em consonância com nossa inteligência mais forte, a compreensão pode ocorrer com mais facilidade e com maior entusiasmo. Gardner e outros pesquisaram modos de ensinar diversos tipos de conteúdos, de acordo com cada uma dessas inteligências. Além disso, para cada tipo de inteligência ou aptidão, as pessoas têm estilos de aprendizagem variados. Algumas aprendem melhor por meios visuais; outras precisam falar sobre o assunto, escrever sobre ele, executá-lo, e assim por diante. Por fim, as pessoas aprendem em ritmos diferentes - rápido, médio, lento - e em todos os graus intermediários.
Assim como sabemos intuitivamente que cada um aprende de determinado modo, também sabemos que por isso cada um de nós precisa de uma abordagem de aprendizagem customizada para maximizar nosso potencial. Entretanto, tal como recordamos de nossos tempos de escola, existe muito mais padronização do que customização. As escolas ensinam usando um sistema monolítico em lote. Uma vez que colocam os alunos em grupos, quando a classe está pronta para passar para o próximo conceito, todos os alunos vão junto, independentemente de quantos aprenderam o conceito anterior (mesmo que isso seja pré-requisito para aprender o conteúdo seguinte).
Por outro lado, mesmo que alguns alunos mostrem-se capazes de dominar um conteúdo em poucas semanas, eles ficam presos à turma por todo o semestre. Quando um professor ensina divisões complexas de uma forma que corresponde àquela como ele aprendeu e compreendeu, não importa se o aluno entendeu e fica entediado com as repetidas explicações, ou se afunda cada vez mais em sua confusão, incapaz de entender a lógica; o aluno assiste à aula enquanto ela dura.
Por que isso acontece? Não é que professores, administradores e outros atores no sistema escolar não apreciem a necessidade de customização. Eles apreciam, mas o sistema em que trabalham limita sua capacidade de customizar. Para entender por que razão, pense no Windows da Microsoft. Como as escolas, ele é altamente interdependente - não se pode construir ou mudar um componente a menos que você construa ou mude os outros, porque cada componente afeta o modo como os outros funcionam. Mudar apenas algumas linhas do código do Windows exigiria reescrever milhares de outras linhas. Assim, custaria milhões de dólares configurar o Windows de uma forma personalizada para atender às necessidades do usuário. A economia de interdependência exige padronização. Um produto ou serviço altamente interdependente - e por isso padronizado - é a norma nos estágios iniciais de qualquer indústria. E nós vivemos com isso. A maioria de nós não tem consciência de como nossas vidas poderiam melhorar se tivéssemos sistemas operacionais facilmente configuráveis à nossa disposição.
Contudo, à medida que uma tecnologia ou mercado amadurece, um produto ou arquitetura de serviço modular torna-se possível. Uma arquitetura modular é aquela em que as pessoas podem mudar uma parte sem reorganizar as outras. Isso permite uma customização economicamente viável. Pense no Linux. Quando a tecnologia Unix amadureceu o suficiente, um sistema operacional de código aberto como o Linux tornou-se viável. A arquitetura do Linux é modular, por isso pode ser customizada - observe como a comunidade de programação de código aberto continuamente o atualiza e aperfeiçoa parte por parte.
As escolas são guarnecidas de interdependências - desde o fato de que um aluno não pode estudar um conceito na 8ª série a menos que tenha aprendido outro na 7ª, até decisões ao nível de estado, tais como aquelas referentes ao currículo e aos livros didáticos, as quais circunscrevem a capacidade dos professores de inovar. Isso impede uma customização simples, acessível. Em vez disso, a economia compele a padronização no modo como as escolas ensinam e testam. Por exemplo, nos Estados Unidos, alunos com necessidades especiais têm direito a um plano de educação individualizado (PEI). Isso com certeza é importante, mas terrivelmente caro. Muitas vezes, custa mais que o dobro educar um aluno na educação especial do que na educação comum - e a realidade é que todos nós temos necessidades únicas.
O que complica mais as coisas é que, assim como os alunos estão preparados para aprender melhor de duas ou três formas, os professores também. Eles tendem a ensinar de maneiras compatíveis com suas forças para exclusão daqueles que estão organizados de outra forma. Nas escolas, Gardner e outros pesquisadores trabalharam para treinar professores com vistas a ensinar inteligências múltiplas; porém, devido ao modelo de ensino dominante de um professor para muitos alunos, isso costuma ser difícil e, mesmo quando bem-feito, ineficiente. Quando um professor está ensinando para um conjunto de inteligências, alguns alunos estarão sintonizados, mas outros não.
Se o objetivo é educar todos os alunos para que alcancem seu máximo potencial, as escolas precisam afastar-se do modelo monolítico da sala de aula rumo a um modelo centrado no aluno, com um desenho modular que permita a customização. A aprendizagem baseada no computador está surgindo como força perturbadora e oportunidade promissora para fazer essa mudança. O uso correto da tecnologia como plataforma para aprendizagem oferece a chance de modularizar o sistema e, assim, customizar a aprendizagem.
No entanto, se esse é o caso, como explicar o impacto mínimo que os computadores têm tido durante as últimas décadas nas salas de aula? Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 60 bilhões de dólares foram gastos durante os últimos 20 anos para equipar as escolas com computadores; todavia, como revelam inúmeros estudos e qualquer observação rotineira, eles não transformaram a sala de aula nem aumentaram a aprendizagem medida nas pontuações em exames.
Não é de surpreender que as escolas tenham recebido tão pouco como retorno de seu investimento. Elas fizeram o que praticamente toda organização faz quando implementa uma inovação. O instinto natural de uma organização é "enfiar" a inovação no modelo operacional existente para sustentar o que ele já faz. Isso é perfeitamente previsível, perfeitamente lógico - e perfeitamente errado.
O modo de implantar uma inovação para que ela transforme uma organização é implantá-la de modo disruptivo - sem usá-la para competir contra o paradigma existente e atender os consumidores existentes, mas deixá-la competir contra o "não-consumo", cuja alternativa é absolutamente nada. Para explicar o que queremos dizer com isso, precisamos explicar brevemente a teoria da inovação disruptiva. Em todo mercado, existem duas trajetórias: o ritmo em que a tecnologia aperfeiçoa-se e o ritmo em que os consumidores podem utilizar os aperfeiçoamentos.
As necessidades dos consumidores tendem a ser relativamente estáveis ao longo do tempo, ao passo que a tecnologia aperfeiçoa-se em um ritmo muito mais acelerado. Como conseqüência, produtos e serviços inicialmente não são bons o suficiente para o consumidor típico; porém, com o tempo, eles melhoram e incorporam mais características e funções que os consumidores podem usar.
Chamamos as inovações que sustentam a trajetória das empresas líderes em uma indústria de inovações de sustentação. Algumas são avanços dramáticos; outras são rotineiras. Aviões que voam mais longe, computadores que processam mais rápido e televisores com imagens cada vez mais claras são todas inovações de sustentação.
Às vezes, contudo, vemos uma inovação dsiruptiva − que não é um aperfeiçoamento de ruptura. Em vez de sustentar o lugar das empresas líderes no mercado original, ela altera tal trajetória, oferecendo um produto ou serviço que, na verdade, não é tão bom quanto aquele que as empresas já estão vendendo. Devido ao fato de não ser tão bom quanto um produto ou serviço existente, os consumidores não podem usá-lo no mercado original. Em vez disso, a inovação disruptiva estende os benefícios a pessoas que, por um motivo ou outro, são incapazes de consumir o produto original, os chamados não-consumidores.
As inovações disruptivas tendem a ser mais simples e mais baratas do que os produtos já existentes. Isso permite que se enraízem em aplicações simples, pouco exigentes em um novo mercado ou arena de competição. Nesse caso, a própria definição do que constitui qualidade − e, portanto, o que significa aperfeiçoamento − é diferente do que qualidade e aperfeiçoamento significam no mercado original. Como a definição de desempenho é muito diferente e os consumidores dos líderes da indústria não podem usar o produto, tais empresas têm dificuldade para implantar inovações disruptivas. Pouco a pouco, a ruptura previsivelmente se aperfeiçoa. Em algum ponto, inovações disruptivas tornam-se suficientemente boas para lidar com problemas mais complicados; então, elas assumem o controle e suplantam o modo antigo de fazer as coisas.
Para implementar a aprendizagem baseada no computador de um modo que leve a uma sala de aula modular alunocêntrica, precisamos atentar para as lições certas advindas da compreensão da ruptura. Abarrotar o fundo da sala ou os laboratórios de informática com computadores como ferramentas para o modelo de ensino existente ou como matéria em si, independente, não vai fazer mágica. Em vez disso, precisamos encontrar áreas de não-consumo que façam uso da aprendizagem baseada no computador onde ela esteja desimpedida pelos processos de educação existentes. Uma vez plantada nessas áreas, ela pode criar raízes, começar a melhorar e, com o tempo, suplantar o modo como os alunos aprendem.
O que isso significa em educação? Para que a aprendizagem baseada no computador gere uma transformação disruptiva, ela deve ser implantada onde a alternativa é absolutamente nenhum professor. Nos Estados Unidos, onde a educação é universal, não é imediatamente óbvio em que lugares essas circunstâncias estão presentes. Contudo, um olhar mais profundo sobre as classes dentro das escolas revela muitas áreas de não-consumo. Por exemplo, a aprendizagem on-line está ganhando força nos cursos avançados que muitas escolas não podem oferecer; em escolas pequenas, rurais e urbanas que são incapazes de oferecer amplitude; em cursos corretivos para alunos que precisam refazer cursos para se formar; com alunos que estudam em casa; para aqueles que não podem seguir os horários normais da escola e para aqueles que precisam de tutoria.
Em muitos países em desenvolvimento, especialmente naqueles onde é difícil encontrar professores com as qualificações adequadas para trabalhar nas escolas, existem potencialmente muito mais oportunidades para que a aprendizagem baseada no computador se enraíze e tenha um impacto mais rápido. Por exemplo, aliar as empresas de software de aprendizagem à associação sem fins lucrativos One Laptop per Child (Um Laptop por Criança), que construiu "um laptop conectado de baixo custo para a educação das crianças do mundo", poderia ter um impacto drástico e revolucionar o modo como os alunos aprendem.
A aprendizagem baseada no computador, que ainda está em seu início, apresenta algumas vantagens tecnológicas e econômicas em relação ao modelo escolar tradicional que devem permitir-lhe crescer e aperfeiçoar-se rapidamente. Além de garantir o acesso a alunos que não seriam capazes de fazer o curso, ela permite aumentar a qualidade com muito mais facilidade. E a tendência é que seus custos econômicos caiam. Nos Estados Unidos, em média, já custa menos educar um aluno on-line do que no atual modelo monolítico. Com o tempo, a aprendizagem baseada no computador pode tornar-se mais envolvente e individualizada para atingir diferentes tipos de aprendizes, pois os desenvolvedores de softwares podem tirar plena vantagem do meio para customizá-lo, criando diferentes rotas de aprendizagem para diferentes aprendizes.
Pensamos que também haverá um segundo estágio nessa ruptura que permitirá aos usuários criar módulos de softwares de aprendizagem. Um aluno que está esforçando-se para compreender um determinado conceito, ou seu pai ou professor, será capaz de acessar um site na internet no qual possa encontrar uma solução de software que outro aluno, pai ou professor desenvolveu para aquele desafio específico. Pais e professores serão capazes de diagnosticar por que as crianças não estão aprendendo e encontrar programas instrucionais escritos para ajudar alunos que se assemelhem a seus filhos no estilo de aprendizagem. À medida que o conteúdo é utilizado ao longo do tempo, os usuários vão classificá-lo, assim como classificam livros na Amazon.com e filmes no Netflix.
Existem no horizonte emocionantes possibilidades para a educação. Não sabemos exatamente que formato elas assumirão; porém, com a aprendizagem baseada no computador apenas começando a florescer, o futuro da reforma educacional parece brilhante. O emprego de uma abordagem disruptiva, que considere as diferenças entre as crianças, apresenta um caminho promissor rumo à motivação dos alunos, à maximização de seu potencial humano e à realização de seus sonhos mais ousados.
Clayton M. Christensen é professor da Harvard Business School.
cchristensen@hbs.edu
Michael B. Horn é diretor executivo de educação do Innosight Institute.
mhorn@innosightinstitute.org
Curtis W. Johnson é presidente do The Citistates Group.
cjohnson@citistates.com
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